segunda-feira, maio 04, 2009

108

Tinha achado gostoso e até divertida a história de passar os dias sentado numa cadeira de plástico branca colocada no canto de sua varanda coberta de azulejos com desenhos estranhos. Se inscreveu no campeonato de damas, esquecia quando era quarta-feira e perdeu as eliminatórias por W.O., riu de si mesmo sentado na cadeira de plástico branca colocada no canto de sua varanda coberta de azulejos com desenhos estranhos. Sentia falta da leve pressão que lhe faziam os sapatos nos mindinhos no fim do dia. Sentia falta de abrir o primeiro botão da camisa a caminho do ponto no fim da tarde. Sentia falta dos fins de semana que agora não tinham mais fim sentado numa cadeira de plástico branca colocada no canto de sua varanda coberta de azulejos com desenhos estranhos.

Assistia a todos os jornais e ainda ouvia notícias num radinho. Quase contava dias, quase contava meses, sabia que haviam se passado 13 anos sentado na mesma cadeira de plástico branca colocada no canto de sua varanda coberta de azulejos com desenhos estranhos. Não queria mais saber de cadeira branca ou dos azulejos.

Vestiu a camisa bem passada de linho cinza e os sapatos que apertavam de leve o mindinho esquerdo já desde cedo e andou até o banco. Pediu ajuda a uma jovem bonita de cabelos fartos e rosto rosado para pegar a senha para atendimento nos caixas, e não queria a prioritária, tinha tempo, queria tempo. Agradeceu e logo se dirigiu às fileiras de cadeiras voltadas para o painel que indicava as senhas e os guichês. Com uma timidez cortada pela ansiedade quase adolescente perguntou: "quem é o 107? quem é o 107?", a quem respondeu um senhor da última fileira levantando a mão. Andou até ele trapalhada e vagarosamente por entre as fileiras. Sentou numa cadeira de plástico branca. Outra.
- Prazer, eu sou o 108. Tudo bem? É importante fazer contatos hoje em dia. Então, o senhor faz o quê?

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