sábado, maio 07, 2011

36 lbs

Ele até que era bonito, ela pensou. Usava uma bermuda branca, uma polo bege e uns sapatos moderninhos nos mesmos tons. Olhava pra ele de lado, quase de canto. Sentia um pouco de vergonha, nada de mais. Estava descabelada, com calças pretas de sua mãe e uma blusa de frio cinza, sem blusa por baixo, tinha tirado a branca que tinha para não sujar uma blusa de sair.

Ele não parava de olhar, estava encantado. Parado ao lado do carro, com a boca semi aberta e larga. Ela, sem saber o que fazer, não baixava mais a guarda, não sabia como era mais. Prendeu os cabelos com um elástico preto que trazia em volta do pulso direito, tirou o capacete que estava preso ao banco, montou e começou a pedalar. Quando chegou à rua, ainda olhou para trás: 'ele ainda está olhando? ainda dá tempo de sorrir?'

Pedalou três quarteirões e, chegando em casa, ouviu abafado: 'onde estava?'. 'Fui encher os pneus da bicicleta', respondeu e pensou: 'pena que não.'

você tem medo de quê?

Meus pais e eu sempre tivemos um relacionamento bom. Tão bom que consegui viver com eles até agora, o que, afinal, pode não ser tão bom assim. Como a maior parte dos erros e defeitos dos filhos, segundo Sigmund Freud, é tudo culpa deles!

Não casei até agora porque minha mãe sempre demonstrou que a relação com os homens, apesar de muito rica e de poder nutrir muitas coisas, é bastante complexa, carrega consigo dores, ruídos, mágoas e escolhas sempre doloridas. Deixar isso por conta daquilo, quando ele fez tal coisa, eu tive que fazer essa outra, ele não entendia esse tipo de necessidade e me deixava sem apoio por isso. Fora a hermeticidade de sentimentos e questões mal resolvidas que ficavam sempre lá no fundo de um armário que abrigava as pesadas roupas de um inverno que estava longe, mas de cujo frio todos lembravam.

Não confio nos homens pois meu pai nunca foi lá um grande santo. Um bom homem, sem dúvida, com ótimas intenções, mas que tinha lá seu jeitinho próprio de atingir seus objetivos, fossem eles vender uma grande caixa de pastas de dentes a um banguela ou ser um grande provedor do que quer que fosse, ele sempre conseguia. Eu conhecia as histórias, os resultados e, infelizmente, algumas duras conseqüências. Eu tinha parado de confiar e de acreditar que o mundo era sempre bonito e bom.

Algo disso era bom ou ruim? Não. Era o que era. Eu não tinha saído de casa, não tinha casado e todo o resto era história.

Não conhecia as demais ricas teorias de psicologia e análise, mas alguma coisa me dizia que, por trás desse papo todo de culta dos pais havia, sim, outros motivos: era muito mais confortável. A casa mágica onde se espirra e o almoço está pronto, a cama se faz automaticamente enquanto estou no trabalho, não preciso me arrumar, arrumar o cabelo, pintar as unhas e reprimir meu gênio difícil, opiniões fortes e criticismo para ser amada. Posso chegar cansada depois de um longo dia de trabalho, dar coices a torto e a direito e ainda ter com quem conversar até conseguir me jogar na cama pra dormir quentinha --- sem ter que lavar roupa ou esfregar o chão do banheiro antes. Alguém me diz todos os dias antes de sair "deixa eu te ver", "comos estás linda!" e lá saio eu, com ar blasé e de quem não se importa com nada daquilo, mas que, no fundo, sabe muito bem o quanto daquilo faz bem, acolhe e protege do mundo que me espera lá fora quando, finalmente, eu resolver deixá-los em paz e for viver minha vida.

Meus pais e eu sempre tivemos um relacionamento bom. Tão bom que consigo viver com eles até agora, o que, afinal, é bom demais. Só não posso deixar que seja bom assim pra sempre.

domingo, maio 01, 2011

Escritor é quem escreve

Um amigo me diria: "escritor é quem escreve". Ele, como eu, é um 'escritor' que acabou por se embrenhar no mundo publicitário e ficando lá ao invés de escrever. A diferença básica é que ele é (acho eu) bem sucedido e tem uma carreira promissora (a custo de muito trabalho, claro). Já o meu presente não é assim tão obviamente bem sucedido (ainda que haja controvérsias) e o futuro bem incerto. Mas, claro, isso tudo é apenas um daqueles parágrafos introdutórios para me proteger do meu prórpio medo, caso este texto saia péssimo: só o estou escrevendo como exercício, praticando a escrita para quem sabe um dia me tornar de fato escritora, ou não. Isto dito, armas ao chão e dedos ao teclado...

(Aquilo que eu tenho como sendo uma boa) Receita para ser um bom escritor
1. Disciplina
Escrever pode ser algo bastante natural e mesmo necessário no dia a dia ou em momentos de crise emocional, mas para ser escritor [as in viver disso] é preciso dos 3 elementos: do sangue, do suor e das lágrimas. As lágrimas e o/ou o sangue você até pode conseguir dependendo da crise emocional ou da criatividade e tipo texto que pretende; mas o suor, meu caro, é mesmo conseguido através de uma infinidade de letrinhas digitadas umas atrás das outras, sentidas na ponta dos dedos, dia após dia, até que comece a ganhar ritmo e que escrever passe a ser absolutamente essencial, como respirar.


Para os que, como eu, acabam muitas vezes sucumbindo à preguiça, falta de tempo, um bom filme ou mesmo à insegurança quanto aos próprios textos, sugiro um mantra, repita-o incessantemente: "escritor é quem escreve, escritor é quem escreve, escritor é quem escreve..." Serve como lembrete... ou lembra que é fundamental escrever para ser escritou ou que está na hora de escolher uma nova profissão.


2. Silêncio
É preciso espaço no pensamento para que as palavras se movam na cabeça e vertam pelos dedos. O silêncio não precisa necessariamente ser sonoro, mas precisa ser aquele espaço entre um pensamento e outro, ali onde alguma coisa acontece e que precisa começar a sair em forma de texto, sendo ele planejado ou daqueles que vem como uma música que não sai da cabeça até que você a cante bem alto ou conte a alguém e a passe adiante... até que seu texto vá encantar outras mentes e você volte ao normal e comece a dar espaço a outras palavras. Para escrever, pode-se ter músicas, pessoas, ou o Rock In Rio ao lado, desde que a mente esteja quieta para todo o resto e presente apenas para escrever.

3. Liberdade
Escrever com amarras é um suplício. Pode-se ter uma opinião, um objetivo em vista, uma trama ou um tema, mas nunca amarras. Esteja livre para seu texto acontecer, ele pode ser editado, mas deixe-o acontecer primeiro, depois você volta e corta as asinhas que achar que estão além do que buscava. Os textos que acontecem, quase como imagino que seja uma psicografia, são sempre os de que mais gosto; são sempre aqueles em que pensei menos e que ornam, que não se importam com críticas, risos ou mesmo com o fracasso. São textos gloriosos e com um quê de verdade mais verdadeira que as demais. Acima de tudo, escrever liberta, não escravize o processo.

4. Tempo
Escrever qualquer coisa é fácil, forma um pensamento racionalmente organizado, digita as letras uma atrás da outra, pausadas por espaços e símbolos de pontuação, passa o corretor ortográfico (até porque, ao não se dar ao trabalho de se envolver no processo, é mais fácil errar) e voilà! em poucos minutos tem um texto gramaticalmente correto e, salvo exceções, sem nada além disso. Mas escrever no sentido mais 'poético' do termo é um processo que começa muito antes de chegar perto de um teclado (ou de um lápis e um papel). Mesmo sem perceber, os elementos do texto, da emoção que vai imprimir nele, dos argumentos, já estão todos no escritor antes de acontecer. Talvez como esteja o instinto assassino em um criminoso. Ou o distúrbio que faz roubar a um cleptomaníaco ou a transar freneticamente de um ninfo. Já está tudo lá, há que se ter tempo para que o instinto encontre oportunidade, motivo e ação para que o crime aconteça. Tenha tempo, mas não usa a falta dele como desculpa para não escrever.

5. Paixão
Ter paixão pela palavra é das mais importantes no processo de escrita, ajuda a envolver, a dar nuances e sentidos, faz sentido por si só. Mas a paixão afetiva já ajudou muitos autores a escreverem belos textos, assim como  o luto por ela. A paixão por si só, seja qual for o objeto, move um escritor (ou qualquer outro artista). Ser viceral enquanto se escreve é um trunfo. De um lugar quase atômico que saem os bons textos. Use a paixão para ir a esse lugar e trazer à luz textos vivos e intensos, sejam quais forem as temáticas e estilos. Escreva com paixão.

6. Escrever

Por mais simples que seja esse ingrediente, escreva para ser um bom escritor. Sente-se e escreva. Tendo ou não os itens acima, escreva. Sabendo sobre o que escrever ou não, escreva. Mesmo sem saber por onde começar ou onde vai chegar, escreva. Mesmo errado, escreva. No papel, computador ou na cabeça*, escreva. Escreva sempre. Afinal: escritor é quem escreve.

* muitos dos meus textos preferidos foram escritos em minha cabeça, por falta de papel, por não poder parar o carro na 23 de Maio na hora do rush, por estar no meio de uma corrida de 10KM... nada deve ser desculpa.