sábado, maio 07, 2011

você tem medo de quê?

Meus pais e eu sempre tivemos um relacionamento bom. Tão bom que consegui viver com eles até agora, o que, afinal, pode não ser tão bom assim. Como a maior parte dos erros e defeitos dos filhos, segundo Sigmund Freud, é tudo culpa deles!

Não casei até agora porque minha mãe sempre demonstrou que a relação com os homens, apesar de muito rica e de poder nutrir muitas coisas, é bastante complexa, carrega consigo dores, ruídos, mágoas e escolhas sempre doloridas. Deixar isso por conta daquilo, quando ele fez tal coisa, eu tive que fazer essa outra, ele não entendia esse tipo de necessidade e me deixava sem apoio por isso. Fora a hermeticidade de sentimentos e questões mal resolvidas que ficavam sempre lá no fundo de um armário que abrigava as pesadas roupas de um inverno que estava longe, mas de cujo frio todos lembravam.

Não confio nos homens pois meu pai nunca foi lá um grande santo. Um bom homem, sem dúvida, com ótimas intenções, mas que tinha lá seu jeitinho próprio de atingir seus objetivos, fossem eles vender uma grande caixa de pastas de dentes a um banguela ou ser um grande provedor do que quer que fosse, ele sempre conseguia. Eu conhecia as histórias, os resultados e, infelizmente, algumas duras conseqüências. Eu tinha parado de confiar e de acreditar que o mundo era sempre bonito e bom.

Algo disso era bom ou ruim? Não. Era o que era. Eu não tinha saído de casa, não tinha casado e todo o resto era história.

Não conhecia as demais ricas teorias de psicologia e análise, mas alguma coisa me dizia que, por trás desse papo todo de culta dos pais havia, sim, outros motivos: era muito mais confortável. A casa mágica onde se espirra e o almoço está pronto, a cama se faz automaticamente enquanto estou no trabalho, não preciso me arrumar, arrumar o cabelo, pintar as unhas e reprimir meu gênio difícil, opiniões fortes e criticismo para ser amada. Posso chegar cansada depois de um longo dia de trabalho, dar coices a torto e a direito e ainda ter com quem conversar até conseguir me jogar na cama pra dormir quentinha --- sem ter que lavar roupa ou esfregar o chão do banheiro antes. Alguém me diz todos os dias antes de sair "deixa eu te ver", "comos estás linda!" e lá saio eu, com ar blasé e de quem não se importa com nada daquilo, mas que, no fundo, sabe muito bem o quanto daquilo faz bem, acolhe e protege do mundo que me espera lá fora quando, finalmente, eu resolver deixá-los em paz e for viver minha vida.

Meus pais e eu sempre tivemos um relacionamento bom. Tão bom que consigo viver com eles até agora, o que, afinal, é bom demais. Só não posso deixar que seja bom assim pra sempre.

2 comentários:

Ricardo Laganaro ... disse...

Caramba, moça.
Digamos que me senti praticamente uma versão sua de calças, neste assunto. Me deu assustadoramente bem com meus velhos, e saí de casa, justamente pelo medo que você cita no último parágrafo.
Mas o maluco é que boa parte dessas questões aidna não foram resolvidas.
Bem bacana o texto ...

uma garota disse...

um anos depois de ter dado o passo para resolvê-las também acho que não consegui. seríamos nós os "culpados" da história --- já que somos a constante ---, fazendo Freud se revirar no túmulo?!
e... será que isso é assim tão ruim?

p.s. desculpe a demora, só vi o comment agora.